sexta-feira

Teoria Integral (Ken Wilber) - Parte IV (NÍVEIS)

E de forma a que a coisa não "esfrie", vamos já entrar nos NÍVEIS, pois como já deu para perceber pelo post anterior, existe uma grande relação entre NÍVEIS e LINHAS. Como dissemos, os NÍVEIS dizem respeito ao grau de desenvolvimento que existe em cada LINHA.

Este é um dos pontos em que Ken Wilber é muitas vezes criticado pois pode levar a discriminações entre pessoas, povos, etc. (uns serem superiores aos outros, raças arianas e afins). Há quem diga, por exemplo, que não se pode dizer que somos um povo desenvolvido pois estamos a destruir o planeta e que certas tribos são mais avançadas do que nós. Aqui voltamos à questão das LINHAS:
- se calhar uma certa tribo até pode ser mais desenvolvida na LINHA da MORALIDADE mas muito menos a nível da LINHA PROGRESSO TECNOLÓGICO. Um bom exemplo disso é o Tibete, que em termos de Espiritualidade devem ser dos povos mais avançados do Mundo mas que ao nível tecnológico estarão quase perto da idade da pedra. Isso não faz deles piores, nem melhores, simplesmente diferentes.

Desta forma podemos através dos NÍVEIS ter mais alguns elementos importantes no nosso "mapa" integral, e assim, por exemplo, poder analisar indivíduos, sociedades, organismos, etc. e concluir, por exemplo, que foi a sociedade industrial que nos permitiu abolir a escravatura (comum em todos os tipos de organização social anterior).


BASES
Comecemos com alguns conceitos de base para nos alinharmos, pois este é talvez o elemento da teoria integral mais complexo mas, ao mesmo tempo, aquele que nos pode permitir crescer mais:
- o conceito de desenvolvimento é algo que é comum a praticamente tudo na natureza (todos temos uma intuição sobre desenvolvimento). A galinha antes de o ser tem que ser ovo, por exemplo;
- os níveis são níveis qualitativos de organização;
- ocorrem numa sequência e numa holarquia,
- são fluídos e não rigidamente separados;
- existem em todos os quadrantes e também se desenvolvem de termos de tetra-emersão.

Breve apontamento sobre holons, artefactos e "montes".
Os holons são os "blocos de construção" em cada quadrante. Existem holons individuais (têm 4 quadrantes - ex. atomo, pessoa, etc. - e têm uma fronteira individual) e holons sociais (têm apenas os quadrantes inferiores - colectivos -, e não têm uma fronteira individual - ex. jogo de poker).

Os artefactos não têm quadrantes mas podem ser vistos sobre essa perspectiva (chamada quadrívia). São criados pelos holons (sociais ou individuais). Alguns exemplos:
UL - Matemática
LL - Música
UR - Casa
LR - Dinheiro

Os "montes"/"pilhas" (heap no original), dizem respeito a um conjunto de coisas que estão juntas mas sem nenhum tipo de ordem associada. Um monte de folhas é um exemplo.

Segundo o modelo integral os níveis de desenvolvimento desenvolvem-se numa Holarquia (o nível superior engloba e integra o anterior). Um exemplo simples de desenvolvimento, neste caso no quadrante LR:
Letras -> Palavras -> Frases -> Parágrafos -> Textos...


NÍVEIS POR QUADRANTE
Da mesma forma que cada quadrante tem diferentes linhas, cada uma delas também tem associado uma "altitude" de desenvolvimento (do menos desenvolvido ao mais desenvolvido). Alguns exemplos de diferentes níveis de desenvolvimento, de baixo para cima,  em termos de linhas por quadrante:


Mais uma vez, o desenvolvimento de um nível num quadrante, tem um impacto directo nos outros. Uma relação simples para ilustrar isto poderá ser pensar no cérebro de uma pessoa a desenvolver-se:
na sua relação com o mundo (LR e LL) o cérebro da criança vai formando novas estruturas (UR), que por sua vez estão relacionadas com a forma como interpreta o mundo (UL).
 

QUANTOS NÍVEIS EXISTEM?
Esta é uma questão com uma resposta variável: depende do que queremos analisar mas em todos os modelos a distância entre a base e o topo tem que ser a mesma. Um exemplo são as diferentes escalas para medir a temperatura (ex. Celsius e Fahrenheit). Apesar de terem escalas diferentes, medem o mesmo.


PATOLOGIAS
Cada nível de desenvolvimento tem associadas patologias que lhe são próprias. Estas são válidas para este nível em concreto e são tão mais complexas quanto mais elevado for o nível de desenvolvimento. Um bom exemplo disso é: os átomos não têm cancro, mas os organismos sim.
Outro exemplo é a crise ambiental que se deve ao nosso desenvolvimento na linha Tecnológica. Só agora esse problema apareceu pois só agora também lá chegámos. Há quem defenda que os povos tribais são mais avançados que os povos industriais pois respeitam melhor o planeta. Poderá ser verdade mas à luz do modelo integral o que acontece é que estes povos não têm acesso a estas tecnologias, pois caso tivessem provavelmente o mesmo lhes tinha acontecido.
Há que ser justo na avaliação e comparar as coisas do ponto de vista integral: o progresso tecnológico pode-nos ter trazido a patologia da "crise ambiental" mas por outro lado permitiu-nos uma consciência universal, permitiu-nos abolir a escravatura e trouxe-nos melhores condições de vida que, por exemplo, nos permitiram passar de uma esperança média de vida de 30 para 90 anos em pouco mais de 2 séculos.


TODOS NASCEM NA BASE
Um ponto muito importante a ter em conta com ao desenvolvimento tem a ver com o ponto de onde partimos. Por o desenvolvimento se fazer de uma forma holárquica, os níveis superiores para existirem têm que ser construídos "em cima" dos anteriores. Assim, usando por exemplo a linha moral (UL), até o DALAI LAMA teve que passar por diferentes fases para chegar ao seu suposto estado de "amor universal". Ele próprio foi criança e foi necessário passar pela fase "egoísta" que todas as crianças passam. A mesma é saudável e faz parte do processo de desenvolvimento. Nesse sentido, nós enquanto sociedade o que temos como responsabilidade é compreender que estes estados são necessários e ajudar os indivíduos a evoluir através dos mesmos.


PRÉ-CONVENCIONAL vs PÓS CONVENCIONAL
Um outro ponto importante e que por vezes leva a confusões é que no desenvolvimento existem fases que parecem parecidas (ex. as respostas dos indivíduos/sociedade são parecidas) mas a intenção de base é totalmente distinta.
Um bom exemplo disso é o exemplo atrás mencionado da tal sociedade tribal que parece mais evoluída do ponto de vista de visão global (nota: não quer dizer que noutras linhas não o possa ser). Um outro exemplo é a de confundir o "tolo", inconsciente, que parece que está alinhado com o universo e que todas as coisas fluem no seu sentido (ex. Frodo do Sr. dos Anéis ou o Forrest Gump), com o "sábio", que efectivamente está alinhado com o mesmo, que "transcendeu" o linear, o convencional.

Ilustrando com um exemplo mais concreto relacionado com a investigação da autora Carol Gilligan sobre os estados morais. Se pegarmos numa amostra de mulheres e lhes perguntarmos a questão  "tens o direito de abortar?", iremos ter tendencialmente 2 tipos de respostas: SIM e NÃO.
No entanto, analisando mais detalhadamente verificamos que temos 3 tipos de respostas, correspondentes a diferentes estados de desenvolvimento moral, que são (do mais básico ao mais desenvolvido e que se desenvolvem sempre nesse sentido):
- SIM (porque faço o que quero e me apetece e tu não tens nada a ver com isso): SELFISH
- NÃO (porque o aborto é errado e proibido pela lei - da igreja, do estado, etc): CARE
- SIM (porque a mulher tem direito a escolher se tem condições físicas, psicológicas, sociais e emocionais para ajudar um ser humano a crescer em segurança): UNIVERSAL CARE.

Mais uma vez, para eu poder ir além das regras, ou além de mim, primeiro tenho que passar pelas regras, passar por mim. Fazer o percurso PRÉ-CONVENCIONAL -> CONVENCIONAL -> PÓS-CONVENCIONAL.


EVOLUÇÃO NO PRIMEIRO QUADRANTE (UL)
Existem muitas pessoas que quando falam dos níveis do Ken Wilber o associam ao conceito de Spiral Dynamics do autor Clare Graves. É importante referir que isso é apenas UMA LINHA. Importante sim, mas apenas mais uma, da mesma forma que Jean Piaget apresentou uma LINHA importante sobre o desenvolvimento cognitivo (sensório-motor -> pré-operatório -> operatório concreto e operatório formal), ou o Abraham Maslow sobre as necessidades humanas.

Apresentamos em baixo o conceito de "altitude" de desenvolvimento, neste caso mais concreto sobre a evolução da consciência.
Nota: o modelo Spiral Dynamics propriamente dito utiliza cores diferentes do que o modelo do Ken Wilber, muito mais completo e complexo, que é o que expomos abaixo.















NÍVEL 1 - Infravermelho (surge há 150.000 anos)
. pré-verbal, pré-espacial (comum nos bebés)
. arcaico
. satisfação das necessidades básicas

NÍVEL 2 - Magenta (surge há 50.000 anos)
. trouxe o impulso do self
. satisfação do desejo
. pensamento simbólico e mágico
. ritualista, estereotipado

NÍVEL 3 - Vermelho (surge há 20.000 anos)
. forma conceitos (ex. linguagem)
. auto-protecção e antecipação
. ainda tem necessidades pessoais
. valores egocêntricos
. regras seguidas pelo modelo de punição

NÍVEL 4 - Âmbar (surge há 10.000 anos)
. aparece com a agricultura
. cognição no mundo concreto
. classes e relações
. só vê "branco" ou "preto"
. self conformista
. regras por conformismo
. moralidade é para com o grupo
. necessidades passam por ser aceite pelo grupo

NÍVEL 5 - Laranja (surge no renascimento)
. capacidade de operar sobre os objectos
. base do pensamento científico, por hipóteses
. pensamento multiplistico, possibilidades múltiplas
. princípio da introspecção
. necessidades passam da pertença para a auto-estima
. desejo de dignidade e auto-respeito
. emergência do deísmo

NÍVEL 6 - Verde (surge nos anos 60, séc XX)
. pluralístico, multicultural
. meta-cognição
. comparação e síntese de sistemas
. capacidade para tolerar paradoxos
. perspectivas são relativas
. consenso, diálogo, procura de paz interior
. moral baseada em princípios

__________FIM da PRIMEIRA "CAMADA"________

NÍVEL 7 - Azul Petróleo (início da 2ª camada)
. é a primeira a reconhecer e aceitar todas as altitudes anteriores
. é a primeira a não precisar de defender o seu ponto de vista agressivamente
. autonomia e estratégia
. ligam a teoria com a prática
. procuram feedback
. conseguem ver o paradoxo do relativismo e universalismo
. estima-se que apenas 2% da população esteja nesta altitude

NÍVEL 8 - Turquesa
. ligação entre meta-sistemas
. "higher mind"
. começam a ver o ego como uma limitação de crescimento
. redução da tentativa de estabilizar o ego
. procuram mudança pessoal
. pensamento holístico e intuitivo
. estima-se que menos de 1% da população esteja nesta altitude



__________FIM da SEGUNDA "CAMADA"________

NÍVEL 9 - Indigo (início da 3ª camada)

. marca a transcendência do self
. conseguem tomar como objecto todas as perspectivas anteriores
. a mente passa a funcionar por visão
. moralidade num estágio último

NÍVEL 10 - Violeta
. "meta-mind" ou intuição
. processo de transcender o ego
. reverência e apreciação por toda a Vida
. cultivação da compaixão

NÍVEL 11 - Ultravioleta
. "overmind"
. percepção cósmica
. testemunha, "true self"
. pensamento já não se gera no corpo mas fora dele

NÍVEL 12 - Luz clara
. "supermind"
. só existe um self, permanente, óbvio
. realização da realidade não dual.


UFFFF...! :)


NOTAS FINAIS
Há muito mais coisas a dizer sobre o desenvolvimento dos níveis, como as patologias do SELF  (identificação, diferenciação e integração), o centro de gravidade do self, as diferentes formas como podemos ver os níveis (ondas, estados, níveis e estruturas), as escalas de desenvolvimento (micro, meso e macro) e as formas de desenvolvimento (transformação, translação e regressão), mas creio que o que pusemos acima já dá suficiente "água pelas barbas"... :)

Deixamos abaixo alguns princípios e propriedades para fechar este capítulo:
  • desenvolvimento é o movimento de partes menos complexas para mais complexas (holons -> holarquias);
  • cada novo nível transcende e inclui os anteriores;
  • os níveis tetra-emergem em linhas em todos os quadrantes
  • altitude é um modelo de desenvolvimento através de todas as linhas
  • o self é o "escalador" da "escada" do desenvolvimento
  • à medida que se sobe na "escada" as formas de ver são substituídas por novas
__
E ficamos por aqui neste post. No próximo abordaremos os ESTADOS (adivinha-se mais uma dor de cabeça!) :)

2 comentários:

Ana Savioli disse...

Ufa! Forte.
Dois comentários:
1) Quando explica a diferença entre o "Tolo" e o Sábio, sendo o "Tolo" bem exemplificado por Frodo ou Forest Gump, só um acréscimo para enriquecer; o termo "tolo" não esclarece inteiramente este arquétipo (a palavra Tolo é tirada do termo Fool, extraída por Jung e outros dos arquétipos do Tarot). Acredito que haja um problema de tradução nesta extração, pois o arquétipo se refere à inocência que protege, e não à tolice no sentido malévolo que a palavra carrega na nossa cultura atual. Só divagando!
2) Adorei, adorei, adorei o exemplo de patologia sobre o meio ambiente, comparando tribos arborígenes com nossa sociedade. Abriu mais uma luz em minha mente!
Obrigada pelos posts, adoráveis.
Segue meu e-mail pessoal, onde pode divulgar qualquer novo post, ou idéias, ou me escrever pra divagar! De vc, qualquer coisa é bem vinda: ana.savioli@gmail.com
Obrigada.

Vasco Gaspar disse...

Olá Ana!

Muito obrigado pelos comentários! De facto esse ponto que refere do "tolo" é de extrema importância e obrigado pelo reparo. Aqui é mesmo nesse sentido que fala, da inocência e a palavra "tolo" na língua portuguesa nem sempre expressa bem o conceito.

Muito obrigado!

Se quiser ir acompanhando este e outros "devaneios" criativos sugiro este link (http://vascogaspar.com/?cat=11) pois é onde vou colocando tudo.

Um abraço e desejos de um dia feliz!
vasco